Eu e as motas...
O meu nome é Vera e nasci em '86.
Eu não tive propriamente uma entrada no mundo das motas. Eu nasci nele, e ainda embrião terei dado umas voltinhas, sem que ninguém soubesse ainda que eu existia. A minha mãe andou sempre de mota também desde miúda, tal como o meu tio, graças a esta paixão que já vinha do tempo do meu avô. Curiosamente o meu pai nunca andou de mota - sempre se limitou a ser pendura.
A memória mais antiga que tenho com motas, deve recuar à volta dos meus 3 anos - estou sentada no banco de uma mota com o meu tio, posicionada entre ele e o depósito da mota, ao qual me agarro com força porque ainda nem sequer conseguia chegar com os braços ao guiador. Ele estaria a levar-me numa pequena volta, perto de casa, ou talvez no Cabo da Roca - não sei precisar. Tenho na memória várias outras imagens dispersas que não consigo datar, mas em que eu era sempre a mascote (unica criança) do grupo que era sempre o das motas.
Por volta dos sete ou oito anos comecei a acompanhar mais activamente este pessoal, uma vez que já reunia condições para poder andar á pendura. Nessa altura a minha mãe tinha uma Yamaha Virago 250, mas eu apenas fazia pequenos percursos com eles, passeios nas redondezas, ir almoçar a algum lado, etc., mas lembro-me bem de ficar amuada ao vê-los sairem todos rumo à concentração de Faro e eu ficar em casa com os meus avós.
Com a idade os passeios foram ficando maiores, assim como as montadas. A minha mãe passou então para uma Honda NTV 650 e passava a ser já habitual os meus colegas verem-me chegar à escola à pendura dela. Voltas como Peniche, Mafra, etc. passaram a ser um pouco mais frequentes. Andar de mota, para mim, era tão natural como andar de carro e nem me apercebia de estar a fazer algo tão fora do comum - apenas me fui dando conta quando também alguns colegas meus começaram a comentá-lo comigo. Mas nunca dei importancia, via a minha mãe andar de mota, a mim levavam à pendura sem qualquer problema, um dia haveria de ter também uma mota. Mas aos poucos fui captando a distancia que muitos outros pais tinham às motas e a indiferença ou mesmo a aversão que lhes tinham - e isso é que não era tão normal para mim.
Foi por volta dos meus 11 anos que a minha mãe foi contra tudo e todos para ter a mota que realmente queria e que toda a gente a desencorajava a ter - a Kawasaki ZZR 1100. Isto sim era um canhão e foi com esta autentica Lady (era o nome que lhe davamos), que o bichinho que já vivia dentro de mim deu um pulo e cresceu. Ganhei o gosto da velocidade, das curvas, da união com a mota. Apesar de ser apenas pendura, sentia a mota como se eu própria a conduzisse, conhecia o seu roncar, sabia o que ela pedia, e isso veio a comprovar-se mais tarde (bem mais tarde), quando ela passou para as minhas mãos. Mas já lá chego... :)
Como já estava um pouco mais crescidinha também já conseguia perceber outras coisas que se passavam à minha volta, nomeadamente aquela caracteristica de eu e a minha mãe sermos diferentes por estarmos neste universo. Assim sendo crescia em mim também o orgulho de estar num espaço algo exclusivo, onde (verdade seja dita) tinhamos tratamento VIP. Mas também fui dando conta da nossa sorte com as pessoas que nos rodeavam, pois se por um lado sentia esse carinho especial pela parte de uns, já sentia também alguma discriminação por parte de outros. Mas esse é um mal menor com o qual vivo muito bem (para o lado que durmo melhor, como se costuma dizer).
Um momento que foi um marco no meu percurso e que recordo como se fosse ontem, foi aos meus 12 anos quando a minha mãe, sem que eu estivesse à espera, me disse: "- Vamos falar com o teu pai e pedir-lhe autorização para que quando fizeres 14 anos vás tirar a licença de condução. Assim podes ter uma acelera e não precisas de esperar até fazeres 16 ou 18 anos."
Foi uma surpresa que não estava mesmo nada à espera, até pelo simples facto de eu não fazer ideia de que existisse a Licença Especial de Condução (que habilita à condução de 50cc a partir dos 14 anos). Motociclisticamente falando, foram os dois anos mais longos da minha vida! Mas concretizou-se e tinha quase 15 anos quando recebi a minha primeira mota - uma Gilera Typhoon, cinzenta, em segunda mão. Foi um tesouro precisoso e que valorizei muito pois aquela foi a porta para mais liberdade, mais exclusividade, mais Vera!!!!
Continuei a ser a pendura da nossa grande Lady, mas a minha motinha também teve direito a lugar de prestigio e pela altura que foi criado o Grupo Motard dos Bombeiros de Carcavelos (do qual nos tornamos socias na primeira fornada de inscrições), a Typhoon tinha lugar de destaque nos desfiles do grupo pela Freguesia - também não era para menos, uma pitinha de acelera no meio de um monte de motas grandes dava nas vistas!
Até aos 18 anos, a Typhoon foi a minha maior companheira e só tivemos um pequeno azar numa tarde de chuva miudinha, em que a roda de trás escorregou numa curva - mas nem eu nem o pendura que levava nos aleijámos.
Mas chegou a meter-me medo. Sim! Tive medo da Typhoon, mas já quando estava a tirar a carta de 2.5 (ao mesmo tempo que tirava a carta de carro). Sempre que parava a Honda CB250 da escola de condução e voltava a pegar na minha moteca é que sentia a vulnerabilidade daquele "aspirador" - acho que hoje não conseguia andar de acelera mais de 50metros!!!! Uma diferença abismal a todos os níveis.
Foi por esta altura que a Typhoon começou a ficar mais na garagem - não podia levá-la para ir para a faculdade, pelo que andava maioritariamente de transportes. Quando terminei a carta, comecei a andar com o jipe lá de casa, sabendo que iria receber mais tarde ou mais cedo, uma prenda dos meus pais. O que eu queria era uma mota, mas acabei por receber mesmo um carro (o Corsa que ainda hoje tenho).
Sentia uma certa frustração cada vez que me lembrava que tinha a carta de 250cc e que não tinha mota (entretando vendi a Typhoon), pelo que logo no mesmo Verão, durante as férias, arranjei um emprego num centro comercial para poder começar a juntar dinheiro. E fui vendo algumas motas que estariam dentro das minhas possibilidades - recordo-me de andar a namorar uma ZZR250 (uma joia rara de se encontrar e quem a tinha não a queria vender nem por nada), e cheguei a ponderar a hipotese de uma Hyosung Aquila 250 , tal era o desespero.
Mas não era muito encorajada por parte dos meus pais, mesmo pela minha mãe, e hoje compreendo perfeitamente porquê. Tendo tirado a carta de 250cc aos 18 anos, não iria precisar de esperar pelos 21 anos para poder conduzir 500cc, uma vez que após 2 anos de carta, se fica habilitado a conduzir qualquer cilindrada. Não rendia nada comprar uma 250cc naquela altura, pois iria querer trocar pouco depois para uma cilindrada maior e acabaria por perder dinheiro.
Assim sendo, esperei... e fui juntando mais dinheiro. Até que a minha carta estivesse habilitada aos 500cc, apenas voltei a conduzir (que me lembre), duas motas - uma DT-R 125 e uma Dragstar 1100. Apenas estas porque não gosto da ideia de andar com motas que não são minhas e contra isso pouco há a fazer - restou-me apenas esperar.
Por volta de Junho de 2007 eis que me junto à minha oficial primeira mota: uma linda Honda CB500, azul com jantes douradas. Tinha 14000km e tinha pertencido também a uma menina. Estava em condições excepcionais, foi um negócio mesmo muito bem apanhado. A primeira semana andei um pouco atrapalhada com ela e acabei por deixa-la cair uma ou duas vezes. Mas como máquina de guerra que é, não se ficou e continuou fiel como só estas motas são.
A estreia da Baby Blue (assim a baptizei a CB500), foi magnifica pois de um momento para o outro pulei para o universo do Mototurismo, fazendo cerca de 1000km num, aquando do passeio de aniversário do grupo BMW CKLT, até Mangualde e pelos arredores. O CKLT é um forum de proprietários de BMWs, e a entrada neste grupo fez-se através do nosso amigo Gustavo, que tinha na altura uma BMW R1100RT. A dupla Vera e BabyBlue ficou logo famosa junto do resto do grupo pela tirada longa feita numa naked - mal eles sabiam que era estreia das estreias. Mas felizmente correu tudo bem.
A Baby Blue foi uma grande companheira e para mim representou dignamente aquele que é considerado um dos melhores motores até hoje criados. Aquela mota andou comigo para trás e para diante em intempéries, fez três edições do Lés-a-Lés (10º, 11º e 12º) onde andou por caminhos de cabras, terra, areia, lama, atravessou rios, caiu e levantou-se... tudo isto sem nunca me deixar mal!
Entretanto, em 2009 (já depois da minha mãe ter comprado a actual companheira dela, a BMW K1200R) a ZZR estava parada na garagem, de um modo que até metia pena. Enchi-me de coragem e comecei a pegar nela, e a ir arranjando aos poucos as maleitas de que já se queixava (era uma mota de 1991!). O Verão de 2009 e parte do Inverno foram feitas na companhia desta Lady, juntamente com o meu companheiro, o Nuno, que tinha também uma Kawasaki, a ZX12R. Ainda fizemos bons passeios, algumas concentrações e curti muito ao volante deste canhão. Foi também por esta altura que me juntei, por intermédio do Nuno, ao Forum FZ - grandes amigos e companheiros de viagem que fiz e com os quais não dispenso passar bons momentos e rolar punho e excelntes km de passeios pelo país.
Infelizmente a manutenção de que a ZZR precisava para poder mantê-la em condições era-me financeiramente impraticavel, e para grande custo tive de optar por vendê-la - custou muito, mas iria custar mais tê-la parada na garagem a fazer de pisa-papéis.
Durante meses andei a matutar acerca de que mota haveria de comprar.
A minha paixão são as Rs. Mas desde que comecei a andar de mota (com a CB) ganhei o gosto do moto-turismo e não é com qualquer mota que se consegue fazer uma viagem. Mas as Rs são uma febre de jovem e agora é que deveria aproveitar ter o espirito e a vontade de me sujeitar aquela terrivel postura, às dores nos punhos, à adrenalina. Mas se quisesse levar uma bagagem, quanto não fosse para ir a praia, seria sempre mais complicado. Podia comprar uma R e manter a CB500 para os devaneios de Lés-a-Lés e semelhantes. Mas a coitada já tinha levado três doses e já estava com um tratamento que me fazia duvidar que conseguisse passar um 4º Lés-a-Lés.
Precisei de uma boa dose de bom-senso - mas foi com ele que fiz a melhor escolha que podia ter feito. Acabei por vender ambas, ZZR e CB, e encomendei a minha actual menina: a BMW F650GS que apelidei de Phoenix. É ela que me serve para um pouco de tudo o que eu gosto de fazer de mota desde a simples necessidade de me deslocar, à curtição de fazer curvas, até viajar por dias e kms, e fazer um pouco de off-road, matéria na qual sou mesmo muito iniciante.
Para apimentar esta aquisição também tive de a tornar exclusiva, pelo que decidi-me a comprá-la na cor que nunca tinha visto antes - cor de laranja! Não me dizia absolutamente nada e nem sou pessoa de optar pelo laranja, seja em roupa, acessórios, etc. Mas aquela fez um clique e teve mesmo de ser! Isso custou-me ter de passar um verão inteiro sem mota, pois não havia nenhuma disponivel naquela cor e tive de esperar até Outubro para vê-la no stand à minha espera. Depois de ir buscá-la, equipei-a com uma série de extras que durante o Verão tive a possibilidade e a disponibilidade de ir procurando e seleccionando (malas laterais, top case, windscreen touring, crashbars, protecção de carter). Mas há muito mais coisas que lhe gostaria de acrescentar, mas para isso há que haver t€mpo.
E tem sido este o meu percurso (resumido), pelas duas rodas.
Actualmente os passeios e as viagens tiveram de abrandar, devido ao panorama da nossa actualidade. Mas paradas não ficamos, e mais longe ou mais perto haveremos sempre de ir a qualquer lado, para ter sempre alguma história para contar.
Outras histórias, mais ou menos antigas, também surgirão na minha memória. Cá estarei para as partilhar. ;)
Obrigada pelas vossas leituras,
VG