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Saltos Altos, Duas Rodas e M&Ms

Crónicas e reflexões da mãe, motard e mulher dos sete ofícios.

Crónicas e reflexões da mãe, motard e mulher dos sete ofícios.

19
Out18

Riqueza dê cá um beijinho à sua avó

Vera

Não sei quem é o senhor que chamou de violência obrigar um neto a beijar uma avó e pouco interessa quem seja. Até ia agora procurar o nome dele no Google mas a verdade é que não interessa minimamente para o que venho partilhar.
Para mim, ele é apenas uma pessoa que partilha e defende exatamente o meu ponto de vista no que diz respeito à educação. E que como eu se preocupa com os contornos subtis (ou às vezes nem tanto) de alguns hábitos enraizados na nossa cultura e sociedade, podendo vir a ter repercussões futuras que por vezes nem imaginamos (mesmo quando elas depois efetivamente se demonstram).

Vou contar agora uma situação chocante!!!
A minha filha há duas semanas contou-me que um coleguinha dela estava a chorar e que a auxiliar se zangou com ele e o levou para a sala dos bebés. Fiquei com as antenas no ar. Como assim? A escola que escolhi supostamente tem práticas positivas e eu agora levo com isto? Falei com a
educadora para perceber como deve ser o contexto da situação, ela lá averiguou e percebeu que efetivamente a Mariana me estava a contar tal e qual o que tinha acontecido. Ficou tudo esclarecido e ficou a mensagem passada de que não gostámos da situação.

"Uiii, que pais tão cagões!!!"

Se ser cagão é estar atenta ao que se passa na vida escolar dos filhos, ser presente e saber ver além das próprias situações, então eu não sou cagona, eu sou a própria bosta em pessoa.
Numa situação como a que partilhei acima talvez a maioria das pessoas tenha uma leitura como "não é ir à sala dos bebés que o vai torturar", porque não, na verdade não é. Mas é a forma como facilmente foi humilhado, como foi impedido de chorar (se uma criança chora é porque tem uma necessidade que não está a ser atendida) e é principalmente o exemplo que é dado a todos os outros miúdos. Porque a primeira coisa que me passou pela cabeça foi "Eu não quero que a minha filha aprenda a humilhar os outros conforme viu aquele menino ser humilhado naquela situação." Porque sim, é humilhação mesmo que numa dimensão aparentemente insignificativa aos olhos do adulto - mas que aos olhos da criança tem uma dimensão muito maior.

"Uiiii vê lá se por causa disso a criança fica traumatizada para a vida."

Eu não me considero uma pessoa traumatizada. Sou extremamente bem resolvida, confiante, assertiva, fiel aos meus princípios e sei que sou inspiração para muitas pessoas pelos melhores motivos. Luto pelos meus ideais, tenho dois negócios de sucesso, uma vida familiar super feliz. Mas tenho os meus traumas, sim. E todos eles relacionados com situações de humilhação em meio escolar que durante uma grande parte da minha vida me fizeram ser uma pessoa muito mais introvertida, muito menos confiante. Graças à forma como fui educada fui aos poucos ultrapassando algumas dessas más memórias. Educação essa que agora replico para os meus filhos e que tem tanto em comum com o tipo de parentalidade que tem estado em discussão. Inclusive no que diz respeito a beijar os avós e outros adultos.

"Ah então se és tão bem resolvida é porque não te traumatizou."

Bem, de facto não tenho nenhum trauma que me tenha obrigado a ir para um psicólogo ou a recorrer a psiquiatria, mas o nosso objetivo como pais é andar a medir se isto ou aquilo vai traumatizar só um pouquinho ou fazer por não traumatizar de todo? É que eu posso não ter ficado com sequelas que me levem hoje a esfaquear pessoas no meio da marginal, mas o que é certo é que se me lembro de determinadas situações como se tivessem acontecido ontem, por algum motivo é. 
E ainda na onda dos beijinhos, jamais irei esquecer aquele dia em que, por ter levado pontos no céu da boca após a extração de um dente (sim... nasceu-me um dente no céu da boca, contem lá uma melhor que esta!) eu pude atravessar Carcavelos inteiro toda inchada e de costas quentes por ter a minha mãe a explicar a todas as velhotas que passavam por mim que naquele dia não me podiam apertar.

Portanto sim, até temos os nossos fantasmas. Vá lá que a nós nos deu para aplicar o inverso na educação dos manos M&Ms, muito graças ao esforço que tivemos da parte das nossas mães de reforçar em casa as atitudes contrárias e de nos valorizarem enquanto individuos, porque na maioria das vezes o que acontece é que quem sofre as humilhações, os abusos, as agressões físicas, verbais ou psicológicas, perpetua o comportamento junto de gerações seguintes (o que já está mais que estudado e validado pela comunidade científica). E isso tanto pode significar aplicar o mesmo tipo de comportamento no seio familiar quando a pessoa se tornar pai/mãe, como pode significar fazê-lo num meio empresarial quando a pessoa esteja num cargo com poder hierárquico sobre outras pessoas ou até mesmo num meio escolar se for uma pessoa que enverede pela carreira na educação.

As "pequenas" coisas podem não ser assim tão pequenas quando analisadas a uma perspetiva mais alargada. E se formos a pensar bem, na nossa própria infância tivemos uma série de "pequenas coisas" que hoje dispensavamos recordar e que sabemos que em nada de positivo influenciaram a pessoa que somos hoje.
Este é, portanto, um assunto de importância não só a nível familiar como a nível social. Estes pequenos detalhes são o que pode vir a fazer a diferença no futuro de uma criança entre dizer e manter um "não" ou permitir que uma figura de aparente poder superior abuse de si. Seja o patrão, seja um craque da bola.

Para terminar vou já de antemão publicar uma ou duas fotos que tenho aqui guardadas da minha pessoa para poupar ao trabalho de irem vasculhar as minhas redes sociais. Assim podem já enxovalhar-me à vontade e dizer que a minha opinião não é válida porque gosto de me vestir de preto e ouvir bandas de metal.

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23
Set18

Grão a grão se enche a galinha de sapo

Vera

Muitos sapos engolimos nós na maternidade.

Não interessa que tipo de pessoas somos: de ideias muito fixas, mais ou menos influenciaveis, de mente mais aberta... É que não interessa mesmo. Haverá sempre qualquer coisa sobre a qual tínhamos a certeza absoluta que íamos fazer de determinado modo e que depois nos sai o tiro pela culatra. 

Eu tive exatamente esta experiência com a minha filha. Do alto do meu "achismo" quis que ela se habituasse a dormir sozinha no quarto dela logo aos 4 meses (que absurdo isso é para mim agora), obrigando-me a levantar duas e três vezes por noite para lhe ir dar mama (eu só podia ser louca!!!) e mesmo completamente exausta destas viagens noturnas entre quartos achava que era no melhor que estava a fazer. 

 

Como educadora sempre ouvi e tive como absolutas as teorias de que a criança deve aprender a dormir sozinha (what?!),  e que se preciso for, deve chorar um pouco e não ser respondida (WTF?!), coisa que eu cheguei mesmo a recomendar alguns pais de fazer (ok, estou a autoflagelar-me mentalmente nesta parte; felizmente que não o chegaram a fazer).

Até que se deu aquela fantástica transformação que fez de mim mãe. Mas ainda assim levei meses a insistir na teoria e prática, até porque por acaso funcionava (excepto no que diz respeito a eu parecer uma morta viva devido às minhas viagens noturnas para amamentar).

 

Até que a Mariana ganhou vontade própria e se manifestou. Não queria grades à sua volta e para mim adormecê-la era um martírio pois o berço era um autêntico entrave para poder aconchegá-la até que adormecesse. Ora ficava quase uma hora para a adormecer no cadeirão para depois a pousar no berço em câmara lenta e rezar para não acordar (estão a ver a famosa imagem de pousar 1kg de TNT dentro do berço?), ora a metia no berço e ficava toda curvada para estar quase em cima dela para que sentisse a minha presença, desistindo a pouco e pouco dessa posição para ir escorregando até ficar de joelhos no chão e só com um braço pendurado dentro do berço, que dois minutos depois ficava dormente e eu tinha de o tirar de lá de dentro como se fosse um presunto fumado, totalmente inanimado. Não dava, era desesperante e tinha de haver alternativas! 

 

Foi na procura por essas alternativas que ouvi falar pela primeira vez do quarto Montessoriano, que acabamos por adoptar. Comprámos um estrado e um colchão de adulto e colocamos no chão, com um pouco de tapete tatami à volta. E efetivamente foi uma solução vencedora, pois como facilmente me deitava na cama dela era simple adormecê-la.

Mas eram mais as vezes que eu acabava a adormecer no quarto dela do que ir apenas adormecê-la. Era frequente acordar de madrugada com as luzes todas acesas, desconfortável porque estava com a roupa ainda do dia anterior vestida, com aquela sensação de ter deixado tudo a meio e nem por isso ter dormido bem até aquela hora. Era frustrante. Mas, OK... Ao menos conseguia adormecer a miúda! 

Até que chegaram as viroses e aí não havia como dar a volta, era mesmo na nossa cama que dormia, mamava, adormecia e acordava. E era tão mais simples!!! Dormiamos todos muito melhor e muito mais felizes. 

 

 

O descanso era efetivo o que nos permitia aproveitar muito melhor o tempo que estávamos acordados. E depois de uma dessas viroses, não voltou para a cama dela tão depressa. Pelo menos não definitivamente - há dias em que quer lá dormir e até tivemos a rotina de lá se deitar diariamente mas acabava por vir para a nossa cama a meio da noite à mesma. 

 

Quando engravidei de novo, a rotina passou mesmo a ser toda feita na nossa cama pois a determinada altura eu própria precisei de poder ter o conforto e o espaço que só a cama de casal me ofereciam pois sabia que ia adormecer com ela. 

 

Por isso assim foi desde o começo com o Miguel. Foi montado o berço next2me ao lado da cama, de forma a ele dormir junto a mim mas em segurança, e é lá que dorme desde que nasceu, sempre ao meu lado e mamando as vezes que precisa durante a noite (a maior parte delas quase sem despertarmos). Quando me perguntam se ele dorme a noite toda, respondo que sim pois efetivamente é o que acontece, seja mamando apenas uma vez ou trinta vezes ao longo da noite. Sinto-me como se fosse a mãe de um bebé já com quase dois anos porque a verdade é que só quando a Mariana tinha essa idade é que entrei no sistema de "breastsleeping" que me permitia amamentar durante a noite sem prejudicar o nosso descanso. E é tão bom e recomendo!!!  É e assim será até serem eles querer sair da nossa cama.

Quanto às teorias de que o co-sleeping dá origem a adultos dependentes e inseguros, bastava apenas conhecerem a Mariana para verem que ela é muito mais independente, segura e destemida do que muitos adultos que dormiram toda a vida sozinhos. Mas para quem não conhece a Mariana, deixo sempre alguns argumentos que valem a reflexão:

- Qual é o adulto saudável e emocionalmente equilibrado que não gosta de dormir acompanhado?

- Se os casais gostam de dormir juntos pela companhia, pelo conforto, pela manifestação do carinho que sentem um pelo outro, porque é que uma criança tem de se habituar a dormir sozinha? 

- Se somos mamíferos e todos os mamíferos vivem em comunidade fazendo do descanso em conjunto uma das formas de sobrevivência, porque negamos esse instinto aos nossos bebés? 

 

E a minha preferida... 

- Será que na idade da pedra os casais se mudavam para uma caverna T2 quando tinham um filho?

 

Para terminar partilho aquilo que a Mariana me respondeu ao perguntar-lhe uma vez quando é que ela ia passar a dormir sempre no quarto dela: "Vou quando o Miguel crescer e for comigo." E para mim esta resposta disse-me tudo o que eu precisava de saber.

Acima de tudo o que é mais importante é que optemos com sensatez, aceitando que não existe apenas uma forma correta de fazer as coisas, pelo bem dos nossos filhos e pela nossa sanidade mental. 

O que funciona para nós pode não ser o que funciona para outra família. Mas o que importa é que o que se adopte como sistema funcione do melhor modo para todos e isso não vem nos livros, temos de ser nós a descobrir. 

 

Mesmo engolindo muitos sapos!!! 

02
Set18

A dança perfeita

Vera

Estar grávida para mim, foi sempre sinónimo de interrupção das duas rodas. Mas nesta gravidez acabei por ter as minhas viagens no pensamento mais do que alguma vez imaginei. 

 

Como já falei antes, escolhi ser acompanhada por uma Doula durante a gravidez para que estivesse o mais preparada possível para o trabalho de parto. Para quem não sabe, o trabalho da Doula passa pelo apoio físico e emocional da mulher e do casal, pelo que as sessões durante a gravidez são da maior importância por darem à mulher toda a confiança que precisa para o seu momento e ajudarem o pai a desempenhar o seu papel de "Guardião do Parto" (esta é uma definição muito resumida do trabalho de uma Doula, sobre o qual irei escrever com mais pormenor mais tarde). 

Numa das nossas primeiras sessões, a nossa Doula, a Cristina, falava-nos do papel do pai durante o trabalho de parto e de como é importante que ele conheça bem os desejos e escolhas da mulher, a forma como a deixar confortável, e outros pormenores tais, para que no momento em que ela esteja a lidar com as contrações ele possa ir ajudando sem que seja necessário a mulher desfocar-se do seu processo. Seria então como se estivessem numa dança em que um segue os passos do outro... 

Ora aqui é que o quadro ficou borrado!!! O Nuno tem dois pés esquerdos e pensar neste papel com um desempenho semelhante às tentativas dele de dançar era meio caminho andado para as coisas não correrem de feição! 

Mas nós somos um casal, a sincronia há de existir em algures na relação senão não estaríamos juntos, certo? 

Foi então que me lembrei do quão maravilhoso é quando andamos de mota juntos!!! Aí sim, tal como uma dança, completamos os nossos movimentos, desenhamos na estrada a nossa trajetória como se lessemos os pensamentos um do outro. Seguimo-nos por quilómetros sem trocar uma palavra mas antecipando cada mudança de direção, cada ultrapassagem, cada provocação para ir mais rápido ou curvar mais. As nossas motas fazem um autêntico bailado em sincronia e essa era a comparação perfeita para o que precisávamos enquanto decorresse o trabalho de parto! 

 

Mas não ficou por aqui.

Também a lidar com as contrações pude beneficiar da minha experiência nas duas rodas. 

 

A Cristina propôs-me a fazer  uma analogia com alguma circunstância na minha vida em que, tal como uma contração, eu fizesse algum esforço sabendo que na altura mais difícil desse esforço estivesse perto de alcançar um objetivo. Lembrei-me então do Lés a Lés, no qual eu participei já algumas vezes. Para quem não sabe do que se trata, o Portugal de Lés a Lés é uma espécie de prova onde fazemos mais de 1000km em apenas 3 dias, que tem etapas, tempos, prazos. O objetivo final é conseguir chegar ao destino (gozando de um passeio turístico fenomenal) passando por todos os pontos do percurso, dentro do timing estabelecido (ainda que seja uma viagem de passeio, não uma corrida).

Mas chega a uma altura que começa a custar. Doem as mãos, doem as costas, os braços, a cabeça. Estamos cansados, desconfortáveis, com fome e sede. Mas em cada etapa que alcançamos permitimo-nos a descansar um pouco e voltamos a arrancar pois sabemos que estamos cada vez mais próximos de chegar ao fim e que quando atingirmos aquele ponto em que já só queremos desistir, chegamos à meta!

Assim é com o trabalho de parto, em que cada contração nos faz ficar mais próximas do objetivo que é termos o nosso bebé, e que entre cada pico de dor temos alguns momentos que nos permitem recuperar e ganhar coragem para a seguinte. As dores vão aumentando conforme estejamos mais próximas do nascimento do bebé e é precisamente na fase em que achamos que já não vamos aguentar mais que o final esperado está próximo. É tão simples como isto! 

 

Mas claro que tudo isto requer uma preparação interior para que se possa lidar com o processo e aceitar a dor. O problema de hoje em dia é que as pessoas não aprendem a lidar com a dor pois desde cedo com qualquer coisinha insignificante se procura de imediato medicação e analgesia. Isso, juntamente com a excessiva medicalização do parto (que como se sabe leva muitas vezes à interrupção do normal decorrer do trabalho de parto e até a complicações no nascimento) fez com que se perdesse um importante elo de partilha entre mulheres do testemunho do parto natural. Pelo contrário, os testemunhos que mais se partilham são os da desgraça, do sofrimento, do terror. Com isto é normal que haja poucas mulheres com exemplos à sua volta que lhes permitam desejar ter um parto natural e terem a confiança necessária para aceitar que o seu corpo é capaz de parir naturalmente conduzindo-as durante todo o processo. 

 

Por isso é que considero os relatos de partos tão importantes. Somos nós que temos o poder de nos empoderarmos umas às outras e é isso que me leva também a partilhar as histórias com finais (e meios) felizes. Porque na verdade esses até são os mais comuns, ainda que pareça o contrário. 

A reflexão é outra das formas de nos prepararmos  para esses momentos. A minha acabou por ser feita com a ajuda deste mundo das motas, mas cada mulher terá em si a analogia e a força que precisa para encarar este momento. 

E se acharem que não a têm, poderão sempre procurar o apoio de uma Doula, que vos ajudará a encontrá-la. Mas isso fica para um outro post! 

 

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30
Ago18

Era uma vez um complô

Vera

Mariana vê o pai a sair de mota. Quer esperar até ele arrancar e só depois se volta para ir para casa...

E então vira-se para mim e do alto dos seus quatro anos diz:

"O papá foi na mota dele para o trabalho. Amanhã eu posso andar na tua mota mamã? Assim o papá chega e eu vou na tua mota."

 

 

 

Sinto que estou a ser tramada no meio disto tudo...

22
Ago18

Montessori... Moda ou modo?

Vera

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Aqui há dias via num grupo um post sobre o tão na moda quarto Montessoriano. Perante a minha resposta, de fazer do método mais do que uma decoração, perguntaram-me que mais eu fazia além de ter montado um quarto Montessori à Mariana. Comecei a escrever e de repente parei. Mas não foi um bloqueio o que me deu...

 

Comecei por escrever como tinha na casa de banho um espelho acima do bidé, que foi o sitio que a Mariana começou por utilizar para lavar as mãos e os dentes, sozinha e tendo tudo ao seu alcance. Mas à

 

medida que quis amadurecer a ideia percebi o quão extensa teria de ser aquela resposta. Pois aquilo que caracteriza o método é, como acabei por responder, um estilo de vida e um modo de estar e educar. Hoje em dia faço-o sem pensar e instintivamente procuro que toda a rotina e "organização" (vá... No nosso caso é mais caos, o que não é nada Montessoriano da nossa parte) em que vivemos seja pensado também em função de um ser pequenino que por aqui anda e participa (e a caminho de serem dois). Há escadinhas junto de balcões... Gavetas com brinquedos em cada divisão... Comida e água acessível... Roupa da Mariana sempre à mão...

E foi com essa naturalidade que hoje apenas lhe disse: "Hoje vais ajudar-me a fazer uma sopa. Traz-me os legumes que achas que devemos usar." e cheia de si pegou no escadote, abriu a porta do frigorífico e começou a tirar as cenouras, os brócolos, couve, pimento (esse não pus na sopa mas aproveitei para temperar o jantar já que ela o levou). Ainda perguntou se íamos precisar de tomate e de ovos, e eu a medo também pedi uma courgette achando que ela não sabia o que era, mas que trouxe logo à primeira. Depois ainda me trouxe alho e cebola, a meu pedido. 

Olhei para o balcão e fiquei a pensar: "Bem, ao menos não é uma daquelas crianças que não sabe o que é um legume." e à medida que fui descascando cada um (e ela já ia roendo a cenoura que me exigiu de imediato) fui pensando nestes pequenos pormenores do dia a dia que tanto fazem a diferença..!

Preferimos uma birra potenciada pelo stress de tentar umas compras rápidas ou a participação dela a apanhar a lista de compras pelos corredores, ainda que isso leve mais tempo? (com o extra de ficar a conhecer o que come)

Preferimos despachar o banho e ter uma WC sem água no chão ou dar-lhe o tempo que precisa para brincar e aprender a lavar-se sozinha? (com o extra de nos dias de aperto já praticamente poder tomar o banho sozinha, por exemplo enquanto ao lado dou o banho ao irmão?)

Preferimos fazer tudo rápido por eles ou esperar que aprendam cada tarefa mesmo que depois exijam fazer tudo sozinhos e levem o triplo do tempo que nós levamos? (com o extra de nos aparecerem à frente já vestidos e prontos para sair de casa quando menos esperamos)

 

.... E aqui podia ficar eternamente a arranjar exemplos... São já 4 anos a "Montessorizar" com a Mariana, uns dias com mais surpresas do que outros (OK, acordar as 4h da manhã e a miúda estar a fazer torradas também não acontece todos os dias! )... Mas com a certeza de que se sente tal e qual como uma das coisas que primeiro aprendeu a dizer com todo o orgulho: "EU SOU CAPAZ!!!" ❤️❤️❤️❤️

 

#mãedeMMs #montessori #eusoucapaz #educaçãoconsciente

 

 

01
Ago18

O outro lado da barricada

Vera

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Sou CAM mas também sou mãe.

 Às vezes é um papel injusto pq quero ser só uma delas em certas ocasiões. E por isso venho partilhar uma situação que tem sido objeto de alguma apreensão e so em casos pontuais tenho partilhado com outras mães. Mas a verdade é que como mãe já começava a ficar um pouco ansiosa... 

 

Este an irei viajar para a Tailândia para finais de Setembro e por isso tenho estado a fazer stock de LM.

Após as seis semanas recomendadas experimentei o biberão. Vá-se lá entender porquê, apesar de não aceitar chucha, o Migui mamou logo sem problema no biberão e isso deixou-me descansada. Até que o deixei pela primeira vez com a minha mãe e ao fim de umas horas me liga a dizer que ele não mama no biberão. E foram várias as tentativas após isso mas sem sucesso.

Como CAM conheço várias alternativas que comecei a ponderar: colher, finger feeding, copinho... Mas como há sempre aquela cisma com o biberão sentia-me ansiosa e pressionada para conseguir que ele conseguisse apesar de sempre achar o finger feeding a opção mais fácil para ele - excepto na parte de conseguir encontrar sondas que é o mais difícil. Fui então pedir ajuda a uma das minhas formadoras que me sugeriu antes disso tentar a técnica da colher mas usando um colher-biberão.

A primeira experiência foi péssima. O leite jorrava do biberão para a colher, depois caia sobre ele... Ele engasgava-se e chorava, o pai estava mega ansioso... Todo um drama! 

Voltamos a tentar biberão, que foi um drama ainda maior.

Até que desisti e pensei tentar de novo após as férias. Em conversa com a minha Doula ela lembrou-me das coisas que eu digo aos pais quando vão por os bebés no berçário... Que não stressem por antecipação pois eles crescem muito rápido e mudam. Assim interiorizei.

Hoje do nada estava ele muito tranquilo e eu também, senti que tínhamos o ambiente propício a uma nova experiência. Optei por colocar na expreguicadeira (outro erro anterior foi ele estar sempre ao colo) e com calma e muita conversa lá fui oferecendo. A ideia era só experimentar para que ele se pudesse ir acostumando. Mas numa sensação de conta gotas, em pouco tempo foram os 50ml que eu tinha colocado! 

 

Fica assim o testemunho para as mães que possam estar receosas por eles não aceitarem biberão. Há mesmo várias alternativas e mesmo que não funcione à primeira poderemos sempre tentar de novo e com mais tranquilidade!

 

Sinto-me de certo modo grata por ter passado por esta experiência pois trouxe-me maior empatia por quem me procura pelos mesmos motivos. Poder sugerir alternativas por conhecer a teoria mas também pela prática e no papel de mãe será com toda a certeza muito mais realista a parti de hoje! ❤️❤️❤️

26
Jul18

Realidade, muito prazer!

Vera

Olá mundo!
Eu sou a Realidade!
Hoje venho apresentar um corpo de pós parto. Este é o meu. Existem uns quantos milhões como este,assim como outros tantos milhões que serão ora mais largos,ora mais estreitos...ora mais flácidos ora mais rijos...
Portanto a minha mensagem de hoje, mais uma vez, é: orgulhem-se do que são! MÃES!
De um... de dois... de três... não interessa de quantos filhos!!!

O mundo não tem que esperar que tenha hoje, 60 dias após fazer nascer uma criança, um corpo igual ao de um que nunca gerou uma vida.
Mundo, eu sou a REALIDADE. Quem tem de mudar és tu!!!

;)

#notpregnant #maedeMMs #novemesesparaincharenovemesespradesinchar

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13
Jul18

Espécie: Palpiteirus incomudus

Vera

Quando uma mulher se torna mãe existe todo um conjunto de pessoas que imediatamente a promove a "propriedade alheia" e como tal sente-se na obrigação de, no alto da sua (não) formação médica e científica, a criticar e desacreditar em tudo o que faça. A esta classe de gente se dá o nome de palpiteiros, os tais que muita vezes sem conhecimento de causa, cospem barbaridades à velocidade da luz e colocam uma mãe no fosso da dúvida e incompetencia em três tempos. 

 

Para essas pessoas existem apenas dois motivos para um bebé chorar: fome e cólicas. E se é fome é porque o leite é fraco. Então toca de espetar leite artificial na criança - a maior parte das vezes nem é porque a mãe assim o queira mas porque tanto a fazem acreditar que o seu bebé só pode ter fome que cedem à sua pressão (e a todas as consequências que isso futuramente traz). E se é cólicas é porque precisa de tomar o medicamento. Toca a experimentar as gotas milagrosas - que de milagroso não têm nada senão não existia 23 ou 48 variedades diferentes delas (as quais cada família experimenta pelo menos umas 5 diferentes até encontrar as que "resolvem" o problema).

 

Mas estas novas mães podiam ser pessoas diferente. Podiam ser pessoas a quem os palpiteiros não incomodavam e assim se sentiam muito mais tranquilas e seguras. Alguma têm a sorte de estar bem informadas e assim não sofrerem com os ataques deles, qual escudo protetor anti-desinformação. 

 

E sabem o que é ainda mais magnífico? São os bebés destas mães! São bebés que não choram de fome e cólicas (apenas). São bebés que choram por frio e calor... São bebés que choram por barulho e claridade... São bebés que choram por cansaço e por medo... São bebés que choram... só porque sim ou porque não! E um bebé que tenha mais motivos por que chorar, é um bebé feliz pois é aquele a quem a mãe estará segura e tranquila o suficiente para o poder "ler" e poder responder com toda a segurança à real necessidade que ele está a manifestar. 

 

Palpiteiros: as mães e os bebés são todos diferentes. Querem ser realmente prestarveis? Parem de dizer disparates a mães, que para ansiedade já lhes basta esta novidade de ter uma cria que cuidar!

 

Mães: confiem nas nossas intuições e procurem quem vos queira realmente ajudar e entenda dos assuntos que vos suscitem duvida. Tudo o resto "Wave and Smile!"

 

#maedeMMs #raispartaospalpiteiros #voucomeçaracolecionarperolasdepalpiteiros

07
Jun18

Dá tempo a ti mesma...

Vera

Esta é a parte que não te contam... 

O pós-parto não vem nas revistas, pouco é partilhado nos feeds de Facebook, poucas mulheres gostam (ou conseguem sequer embrar-se) de se ver ao espelho depois de terem trazido um novo ser ao mundo. 

E quando existe essa partilha, na maioria das vezes vem acompanhada com a mensagem "apenas 4 semanas após o parto e tenho o meu corpo de volta!" 

 

Mas todas somos diferentes... fizemos barrigas diferentes e iremos regressar às formas de maneira diferente (ou viremos a ter formas diferentes até). Mas calma... Não é nenhuma corrida... Temos tempo!!! 

Dá tempo a ti mesma.... 

O nosso corpo passou por algo maravilhoso e levou cerca de 9 meses a transformar-se. Seria o mais óbvio que lhe dessemos pelo menos 9 meses a voltar à sua forma anterior. 

Mas a sociedade não te quer dar nove meses? Mas sabes que mais?? O corpo é teu...! 

 

(Edit: este não é um desabafo. É uma mensagem de força para todas as recém mamãs que não se conformam porque "ainda" não cabem na roupa anterior à gravidez. ;) ❤ )

 

#datempoatimesma #ocorpoemeu #4weeksNOTpregnant

 

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31
Mai18

O nascimento do Migui

Vera

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A história do meu parto começa na minha primeira gravidez.

Sempre desejei um parto natural, respeitador, humanizado. E apesar de me ter informado bastante e até ter chegado a elaborar um plano de parto, uma ameaça de parto prematuro às 33 semanas veio a abalar a minha confiança e fez-me entregar-me totalmente à médica Obstetra que me seguia no privado (afinal eu mesma a escolhera como tal, porque não deveria confiar?). Isso levou a que o meu parto natural no termo, tão desejado, se transformasse num parto provocado às 36 semanas, sem grande justificação médica para tal. Isso aliado a uma série de intervenções decorrentes de procedimentos “rotineiros” do hospital para onde fui acabou por me fazer passar por um trabalho de parto onde não vi nenhum dos meus desejos respeitado (ainda que não sentisse que me faltasse ao respeito propriamente) e que terminou numa cesariana de urgência em que fui submetida a anestesia geral.

 

Seria uma história longa de se contar mas estes são os pormenores principais que me levaram a tomar algumas decisões na minha segunda gravidez: não quis ser acompanhada por mais do que a minha médica de família; desejava poder ser acompanhada por uma doula; faria o máximo por poder ter o parto natural que ainda desejava; pretendia ir para um local com práticas humanizadas.

 

A gravidez não poderia ter sido mais diferente da primeira: em termos físicos foi muito mais extenuante mas em termos psicológicos não podia estar mais tranquila com as minhas escolhas e desejos.

 

Perto do terceiro trimestre contactei a Cristina Cardigo para saber de que forma deveria eu escolher uma Doula. Penso que de alguma forma estaria já a sentir que ela deveria ser a pessoa que eu iria querer a acompanhar-me e ao meu marido na fase final da gravidez e a ajudar-nos a sentir-nos preparados para o parto.

 

As sessões que tivemos com ela foram focadas precisamente no trabalho de parto, os medos, expetativas, métodos de alívio da dor… À medida que íamos tendo estes momentos com a Cristina, aumentava a nossa convicção e a nossa confiança em nós mesmos para conduzir todo o processo com a maior das tranquilidades.

No geral os pontos centrais do nosso plano de parto passavam por fazer a maioria do Trabalho de Parto no conforto da nossa casa, chamando a Cristina para estar presente e apoiar durante esse período até que chegasse a hora de ir para o hospital, para o qual ela nos ajudaria a perceber qual seria o momento ideal. Escolhemos o Hospital Garcia de Orta devido às suas práticas humanizadas no bloco de partos e tínhamos como segunda opção o Hospital São Francisco Xavier, que fica a 5 minutos da nossa casa, caso fosse necessário chegar mais rapidamente.

 

A partir das 35/36 semanas comecei a ter bastantes mais contrações diariamente. O bebé já estava encaixado e a cada dia ia aprendendo a conviver e aceitar as pequenas dores que iam surgindo ou aumentando. Tinha sempre presente de que elas eram o sinal de se estar a aproximar a hora em que iria conhecer, da forma como desejava, o meu bebé, o Miguel.

 

Tornou-se um hábito ir falando com a Cristina ao longo do dia por mensagens, apenas para dizer como me sentia ou para tirar alguma dúvida sobre alguma situação. Foi nesta fase que cada vez mais me fez sentido ter escolhido ter o acompanhamento de uma doula, pela tranquilidade que sentia em poder esclarecer dúvidas e perceber que as coisas que ia sentindo eram ou não normais, e acima de tudo em ajudar-me a manter-me focada e confiante nas minhas escolhas. A partir das 38 semanas era ela que diariamente me mandava mensagens a perguntar logo pela manhã como eu tinha passado a noite e como me sentia. A verdade era que me sentia muito especial de cada vez que recebia um contacto dela e pensava sempre o quão importante seria que todas as grávidas pudessem ser assim acompanhadas!

 

A data prevista do parto (11 de maio) ia-se aproximando. Eu sentia claramente que estava na fase de prodromos já há algum tempo pois todos os dias o meu corpo entrava num ciclo de contrações regulares ao final da tarde, que duravam umas horas e depois acabavam por acalmar. Voltei a ter ataques de “nesting” e era assolada por diversas vezes por uma sensação de que precisava de aproveitar mais tempo com a minha filha, como se tivesse a despedir-me dela como filha única.

 

E também várias vezes me lembrava das palavras da Cristina, sobre fazer coisas que me dessem prazer para que ficasse inundada por ocitocina. Isso levou-me até a marcar uma saída com amigos, para ir ver um concerto de tributo a Bon Jovi num bar – fazia mais sentido para mim divertir-me a dançar e cantar do que propriamente me por a fazer grandes caminhadas e subir escadas como normalmente os médicos sugerem. E la fui para o concerto onde (ao ritmo que consegui) me diverti imenso!
O dia seguinte era o domingo de dia da mãe e iria estar também como gosto, a almoçar em família.

 

 

Mas quis o Miguel que eu tivesse a maior das prendas no dia da mãe!!!

 

Eram 6h certinhas quando me virei na cama e senti as roupa a ficar molhada. Não chegou a passar para a cama mas achei que não era só corrimento e realmente tinha já saído um bocado de rolhão, o penso estava um pouco rosado e as cuecas molhadas. Fiquei na dúvida, mas logo a seguir já na sanita me deu uma volta à barriga – outro sinal frequente do trabalho de parto. Nesta altura o meu cérebro lançou um “red alert”, fiquei nervosa e tive a certeza que era naquele dia que ele ia nascer. Mas ainda assim fiquei um bocado ainda a tentar perceber se realmente saía ou não mais líquido; no fundo estava a gerir expetativas, pois ao mesmo tempo que desejava muito que estivesse a acontecer, também não queria estar a entusiasmar-me com um falso alarme.

 

Entretanto liguei à Cristina e contei-lhe o que se estava a passar. Concordámos que ainda podia tentar descansar um pouco já que eu não sentia contrações e assim íamos falando e avaliando. Deitei-me por mais meia hora.

Pelas 6h40 senti começarem as contrações então fiquei um pouco na cama a contá-las – estavam ritmadas mas não muito certas, umas a 8 minutos outras a 3 outras a 5… e praticamente sem dor. Decido então ir para o banho mas a diarreia ainda me prende mais uns minutos. Quando entrei no duche liguei música para me distrair e ir cantando, e apesar de não conseguir estar sempre a contar os intervalos das contrações fui percebendo que elas estavam cada vez mais próximas pois tinha mais do que uma em cada música. Falei novamente com a Cristina – seria normal estar no duche e as contrações estarem menos espaçadas? Ela confirma que é realmente sinal de parto ativo, (caso não fosse, com o duche relaxava e abrandavam) e nesse momento pedi-lhe para ir ter comigo.

 

Apesar de estar com poucas dores estava com a sensação de estar a avançar depressa por isso achei que era o momento de também contactar a minha mãe, que tinha ficado com a Mariana durante a noite, para a deixar ao corrente da situação. Foi no decorrer dessa chamada que comecei a sentir dificuldade em falar durante as contrações. Isso levou-me a que sair do duche logo se seguida e pedir ao Nuno para por um vestido a postos e para ele comer… continuei a deambular pela casa e as contrações a aumentar de intensidade. Entrei rapidamente na fase em que quis desligar as luzes todas, falava cada vez menos, tinha vontade de vocalizar e me dobrar para a frente (sempre de pé)… os barulhos incomodavam, pedi ao Nuno que desligaste tudo o que era máquinas e mudasse a música pois a minha playlist alegre já me estava a incomodar. Ele perguntou o que eu queria ouvir e sei que respondi ” qualquer coisa que diga yoga, relaxamento, algo assim” (bem… na verdade não foram bem estas as palavras que eu usei, penso que dá para imaginar o tipo de termos que poderei ter usado nestas indicações).

 

Deviam ser umas 8h30 quando a Cristina chegou. Eu estava às escuras no hall da casa e ela nem me dirigiu a palavra ao entrar. Quando a contração seguinte surgiu ela abriu os braços e eu imediatamente me atirei para ela e a abracei para poder descansar o corpo enquanto a contração vinha. Ela cheirava a alfazema e isso soube-me bem e acalmou-me muito. Estivemos nisto durante mais três ou quatro contrações até que eu me senti a ficar com as pernas cansadas e fui para o quarto para me tentar deitar, mas as dores aumentaram logo de tal forma que nem sequer cheguei a tocar o corpo todo no colchão! Fiquei ali junto da cama nas contrações seguintes e foi aí que ela, que apenas devia estar em nossa casa há uns 15 ou 20 minutos, perguntou se tínhamos tudo pronto para sair de casa.

 

Neste momento caiu-me a ficha – estava mesmo próximo. Eu tinha a noção de que estava tudo a ir rápido mas ao mesmo tempo, na minha tal tendência de gerir as expetativas, não queria acreditar nisso com receio de depois ter ainda muitas horas pela frente. Mas ela disse-me que sim, estava a ir mesmo muito rápido e as contrações muito juntas. A minha reação imediata foi esquecer o Garcia de Orta e disse que queria ir para o São Francisco Xavier e pedi- lhe que me acompanhasse até lá.

 

A seguir um novo choque de realidade me vem à cabeça e digo “oh meu Deus, como é que eu vou conseguir ir para o carro?!?!!”

A Cristina tranquilizou-me – “Vamos quando achares que consegues. Se achares que não consegues o Nuno chama o INEM. Eu não sou médica, o Nuno não é médico. Se o Miguel tiver que nascer em casa o melhor para vocês é estarmos com um profissional”. Mas nascer em casa não estava de todo nos nossos planos! Levantei-me depois da contração seguinte e disse “Vamos embora!”

Mas não consegui passar do hall. As contrações repetiam-se e eu começava com vontade de fazer força o que levou logo a Cristina a pedir ao Nuno para ligar para o INEM. Neste momento eu cheguei a sentir algum medo porque achava que ele ia nascer a qualquer momento e, mais uma vez, aquele não era o nosso plano! Mas eles foram super rápidos e 5 minutos depois já estava a o a ouvir as sirenes da ambulância. Aí fiquei mais tranquila e permiti que o meu corpo pudesse continuar a trabalhar. E foi tudo muito primitivo: o meu corpo adoptava as posições e fazia as forças que precisava sem que eu pensasse. Ouvia ao fundo que estava a gritar enquanto já fazia força (acho que é a isto que chamam entrar na partolandia) mas ao mesmo tempo parecia que não era eu que estava lá.

 

De repente entra o INEM em casa e começam a atacar o meu “eu” animal – ligaram as luzes, começaram a dizer “pare de fazer força que o bebé tem é de nascer no hospital.. vamos ter de a levar já” enquanto eu dizia que não ia dar e me tentavam sentar numa cadeira de rodas. Soltei a fera que há em mim quando a tripulante da VMER me começou a apoiar pelo ombro para eu me sentar (o Nuno diz que eu parecia um bicho a falar entre dentes), pois como me deu a sensação que me estavam a forçar, quase gritei guturalmente: “VOCÊS NÃO ME EMPURREM!!!!” E acho que ficaram com medo de mim! A partir daí outro colega passou a falar comigo, muito mais tranquilamente, o que me levou a colaborar.

 

Saímos de casa com mais duas ou três contrações pelo caminho até à ambulância. E continuavam sempre a dizer “não pode fazer força “. Perdoem-me os mais susceptíveis mas nesta altura já só me apetecia era que eles enfiassem o “não pode fazer força” onde o sol não bate. Só quem já passou por um parto natural/normal sem analgesia sabe como é praticamente impossível a uma mulher naquele momento conseguir não fazer força! Lá entramos na ambulância onde me deitaram de lado na maca… e bastaram mais duas contrações!

 

A ambulancia já tinha começado a andar quando senti o anel de fogo a chegar – a cabeça do Miguel estava já a coroar e comecei a dizer “Não dá, não dá, não dá!” e eles finalmente perceberam que não íamos chegar ao hospital! Pararam a ambulância e no mesmo momento a cabeça saiu num puxo! Passado uns segundos com mais uma contração sai o resto corpo praticamente sem dor! O Miguel começou logo a chorar, ainda antes do outro médico da VMER entrar na ambulância… Pouco depois já tinha o Miguel nos meus braços! A única coisa em que pensava naquele momento era que queria chegar rápido ao hospital para poder estar com o meu marido que entretanto teve de seguir no nosso carro e chegou lá antes da ambulância. Tudo isto aconteceu até às 9h45, portanto estive apenas três horas em trabalho de parto!

 

Fomos recebidos no São Francisco Xavier por uma equipa fantástica que fez uma grande festa à nossa chegada (não é todos os dias que chega um bebé nascido pelo caminho) e todos foram magníficos na forma como nos trataram em tudo o que se seguiu – que também já não era muita coisa, diga-se!

Eu vinha já a fazer pele com pele e assim continuei depois de uma rápida avaliação ao Miguel, qie nunca foi levado do meu lado. Quando falaram que iam administrar a vitamina K pedi que o fizessem em cima de mim para ele poder ficar mais calmo e já com a mama, que agarrou com facilidade e de onde não saiu mais na hora seguinte. Enquanto isso eu era também observada. A placenta saiu inteira em mais uma contração e acabei por ter de levar alguns pontos internos. Mas segundo a enfermeira isso só aconteceu por ter parido deitada na ambulância pois caso tivesse sido de pé como estive o tempo todo antes, provavelmente nem chegava a rasgar. A meio desta fase ainda brinquei com a equipe e perguntei se elas tinham gostado de ler o meu plano de parto!

 

Foi uma grande história com final feliz e que não poderia ter sido de outra forma, pois foi mesmo tudo muito rápido – foi a natureza a levar o seu curso! Nisto tudo foram indispensáveis o Nuno, que esteve sempre imperturbável e super tranquilo o tempo todo e que ajudou em tudo, absolutamente tudo o que eu lhe pedi (ou no que eu nem precisei de pedir): aliviou-me a dor, tomou as rédeas da situação, deixou-me estar naquele momento da forma que desejei, imperturbável e respeitada… E a Cristina, a minha Doula, que sempre me escutou atentamente, me respeitou e teve sempre palavras de encorajamento ao meu ouvido. Mas que também foi imprescindível para nos fazer agir a tempo de estarmos acompanhados pela VMER, pois caso ela não estivesse presente eu sinto que teria levado mais tempo a decidir ir para o hospital e aí teria um bebé em casa e sem qualquer suporte médico!

 

Foi uma experiência mirabolante mas ao mesmo tempo magnífica. Tive um parto natural!!! Foi aquilo que eu sempre quis, ainda que não tenha sido como o plano inicial… Mas essa parte já vem do karma.

 

À terceira é de vez!!!

 

 

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