A dança perfeita
Estar grávida para mim, foi sempre sinónimo de interrupção das duas rodas. Mas nesta gravidez acabei por ter as minhas viagens no pensamento mais do que alguma vez imaginei.
Como já falei antes, escolhi ser acompanhada por uma Doula durante a gravidez para que estivesse o mais preparada possível para o trabalho de parto. Para quem não sabe, o trabalho da Doula passa pelo apoio físico e emocional da mulher e do casal, pelo que as sessões durante a gravidez são da maior importância por darem à mulher toda a confiança que precisa para o seu momento e ajudarem o pai a desempenhar o seu papel de "Guardião do Parto" (esta é uma definição muito resumida do trabalho de uma Doula, sobre o qual irei escrever com mais pormenor mais tarde).
Numa das nossas primeiras sessões, a nossa Doula, a Cristina, falava-nos do papel do pai durante o trabalho de parto e de como é importante que ele conheça bem os desejos e escolhas da mulher, a forma como a deixar confortável, e outros pormenores tais, para que no momento em que ela esteja a lidar com as contrações ele possa ir ajudando sem que seja necessário a mulher desfocar-se do seu processo. Seria então como se estivessem numa dança em que um segue os passos do outro...
Ora aqui é que o quadro ficou borrado!!! O Nuno tem dois pés esquerdos e pensar neste papel com um desempenho semelhante às tentativas dele de dançar era meio caminho andado para as coisas não correrem de feição!
Mas nós somos um casal, a sincronia há de existir em algures na relação senão não estaríamos juntos, certo?
Foi então que me lembrei do quão maravilhoso é quando andamos de mota juntos!!! Aí sim, tal como uma dança, completamos os nossos movimentos, desenhamos na estrada a nossa trajetória como se lessemos os pensamentos um do outro. Seguimo-nos por quilómetros sem trocar uma palavra mas antecipando cada mudança de direção, cada ultrapassagem, cada provocação para ir mais rápido ou curvar mais. As nossas motas fazem um autêntico bailado em sincronia e essa era a comparação perfeita para o que precisávamos enquanto decorresse o trabalho de parto!
Mas não ficou por aqui.
Também a lidar com as contrações pude beneficiar da minha experiência nas duas rodas.
A Cristina propôs-me a fazer uma analogia com alguma circunstância na minha vida em que, tal como uma contração, eu fizesse algum esforço sabendo que na altura mais difícil desse esforço estivesse perto de alcançar um objetivo. Lembrei-me então do Lés a Lés, no qual eu participei já algumas vezes. Para quem não sabe do que se trata, o Portugal de Lés a Lés é uma espécie de prova onde fazemos mais de 1000km em apenas 3 dias, que tem etapas, tempos, prazos. O objetivo final é conseguir chegar ao destino (gozando de um passeio turístico fenomenal) passando por todos os pontos do percurso, dentro do timing estabelecido (ainda que seja uma viagem de passeio, não uma corrida).
Mas chega a uma altura que começa a custar. Doem as mãos, doem as costas, os braços, a cabeça. Estamos cansados, desconfortáveis, com fome e sede. Mas em cada etapa que alcançamos permitimo-nos a descansar um pouco e voltamos a arrancar pois sabemos que estamos cada vez mais próximos de chegar ao fim e que quando atingirmos aquele ponto em que já só queremos desistir, chegamos à meta!
Assim é com o trabalho de parto, em que cada contração nos faz ficar mais próximas do objetivo que é termos o nosso bebé, e que entre cada pico de dor temos alguns momentos que nos permitem recuperar e ganhar coragem para a seguinte. As dores vão aumentando conforme estejamos mais próximas do nascimento do bebé e é precisamente na fase em que achamos que já não vamos aguentar mais que o final esperado está próximo. É tão simples como isto!
Mas claro que tudo isto requer uma preparação interior para que se possa lidar com o processo e aceitar a dor. O problema de hoje em dia é que as pessoas não aprendem a lidar com a dor pois desde cedo com qualquer coisinha insignificante se procura de imediato medicação e analgesia. Isso, juntamente com a excessiva medicalização do parto (que como se sabe leva muitas vezes à interrupção do normal decorrer do trabalho de parto e até a complicações no nascimento) fez com que se perdesse um importante elo de partilha entre mulheres do testemunho do parto natural. Pelo contrário, os testemunhos que mais se partilham são os da desgraça, do sofrimento, do terror. Com isto é normal que haja poucas mulheres com exemplos à sua volta que lhes permitam desejar ter um parto natural e terem a confiança necessária para aceitar que o seu corpo é capaz de parir naturalmente conduzindo-as durante todo o processo.
Por isso é que considero os relatos de partos tão importantes. Somos nós que temos o poder de nos empoderarmos umas às outras e é isso que me leva também a partilhar as histórias com finais (e meios) felizes. Porque na verdade esses até são os mais comuns, ainda que pareça o contrário.
A reflexão é outra das formas de nos prepararmos para esses momentos. A minha acabou por ser feita com a ajuda deste mundo das motas, mas cada mulher terá em si a analogia e a força que precisa para encarar este momento.
E se acharem que não a têm, poderão sempre procurar o apoio de uma Doula, que vos ajudará a encontrá-la. Mas isso fica para um outro post!